segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Tudo começa a tomar forma


Por Jânsen Leiros Jr.

I – História das origens do universo e da humanidade (1:1 – 11:32)
A.   A criação do universo e da vida (1:1 – 2:3)

Capítulo 1

Segundo dia: A divisão das águas

6 E disse Deus: Haja firmamento[1]  no meio das águas e separação entre águas e águas. 7 Fez, pois, Deus o firmamento e separação entre as águas debaixo do firmamento e as águas sobre o firmamento. E assim se fez. 8 E chamou Deus ao firmamento Céus. Houve tarde e manhã, o segundo dia.

Terceiro dia: A terra seca, o mar e a vegetação

 9  Disse também Deus: Ajuntem-se[2]  as águas debaixo dos céus num só lugar, e apareça a porção seca. E assim se fez. 10 À porção seca chamou Deus Terra e ao ajuntamento das águas, Mares. E viu Deus que isso era bom. 11 E disse: Produza a terra relva, ervas que dêem semente e árvores frutíferas que dêem fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nele, sobre a terra[3]. E assim se fez. 12 A terra, pois, produziu relva, ervas que davam semente segundo a sua espécie e árvores que davam fruto, cuja semente estava nele, conforme a sua espécie. E viu Deus que isso era bom. 13 Houve tarde e manhã, o terceiro dia.
  
[1] (1:6) firmamento, hebr. ráqîa’

Expansão, vastidão, lâminas largas batidas, espelho fundido ou ainda extensão.

A Terra passa a ser o foco da narrativa. Deus começa a preparar o ambiente para a existência da vida. O caos inicial começa a dar lugar a um cenário organizado e adequado ao desenvolvimento da flora e fauna, além do surgimento, mais tarde, do ser humano.

A expressão hebraica traduzida por firmamento, traz a idéia de uma estrutura sólida que se estendida pelo teto do céu visível, separando o mar (águas inferiores) das águas superiores (Sl. 148:4), que a seu tempo eram derramadas sobre a terra pela abertura de suas comportas (Gn. 7:11; 8:2). No livro de Jó 37:18, o firmamento chega a ser considerado como sólido, como algo se interpondo entre as duas massas de água.

O importante nessa passagem, contudo, é que ela estabelece seqüência lógica entre os fatos narrados no processo da criação, ligando intimamente este fato ao passo seguinte que será o surgimento da terra seca e o mar. Os dois feitos de Deus, inclusive, parecem se completar mutuamente, pois só após o surgimento da terra seca, Deus expressa sua satisfação com mais essa obra e diz que era bom.

[2] (1:9) Ajuntem-se

Temos aqui uma visão excepcional do cuidado do Criador com sua obra. Ainda providenciando o cenário onde a vida se desenvolveria, Ele ordena que as águas deixem visíveis a terra seca (Sl. 104:5-9). Isso dá a entender que a já se encontrava formada por Ele quando esta veio à tona das águas inferiores, mas para atender aos propósitos de Deus aguardava sua ordem.

A palavra hebraica aqui usada é qavah que dá sentido de alinhamento, transmite a idéia de um “assentamento”  das águas abaixo do firmamento, que as colocasse em um mesmo nível, de modo que seus termos ficassem estabelecidos (Jó 38:8-11; Pv. 8:27-29).

[3] (1:9) Relva, ervas, árvores que dêem fruto

O Criador continua seu empenho em fazer da terra um habitat adequado e agradável ao homem, tornando-a capaz de produzir aquilo que lhe é próprio.

Há uma demonstração de abrangência quando o narrador cita essas três formas de vida vegetal, não se prendendo a diversificar na narrativa todos os seus gêneros e espécies. Mesmo porque, a expressão hebraica aqui traduzida por relva é deshe’, que no contexto bem pode ser entendida como “toda a vegetação”, diferençando apenas o que é árvore frutífera.

É interessante pararmos um pouco aqui nesse ponto. Alguns rabis defendem a idéia de que a intenção inicial de Deus era criar árvore-fruto (uma árvore que fosse fruto toda ela e frutificasse o ano inteiro), e que nesta passagem se encontra a primeira desobediência na terra a uma ordem  de Deus. Segundo eles, essa rebeldia da terra em não produzir aquilo que Iavé ordena, corrobora a esperança de um novo céu e uma nova terra, que, essa sim, obedeça à voz do Criador. Uma idéia sem sustentação, pois numa análise bastante simples temos:

a) A criação atendeu plenamente ao propósito divino “... e viu Deus que era bom”, que por sua vez não pode ser frustrado em seu intento. A corrupção do estado original de perfeição da terra somente se deu após a queda do homem. O anseio por novos céus e nova terra é decorrente do estado de maldição no qual se lançou, pelo pecado, tanto a humanidade, quanto a natureza.

b) A frutificação demanda “amadurecimento” daquele que gera fruto. O próprio fruto se encarrega de semear a terra com seus iguais, que amadurecendo a seu tempo, gerarão ainda mais frutos, num processo aqui inaugurado de auto-sustentabilidade, sob a mão poderosa de Deus.

c) O fato de cada árvore possuir seu tempo certo para frutificar de forma alternada, “segundo suas espécies”, talvez fizesse parte de algum programa divino de alimentação dos animais e do homem, uma vez que essa foi a orientação recebida por Adão (1:29-30). 

A frutificação a seu tempo implica num ciclo onde a árvore se renova e se revigora. Ela precisa passar pelo “outono” , quando as folhas velhas caem, para logo mais voltar a florescer e novamente frutificar. Não é esse o milagre operado por Deus no coração do homem que se renova para frutificar?

segunda-feira, 21 de março de 2016

Fiat lux


Por Jânsen Leiros Jr.
I – História das origens do universo e da humanidade (1:1 – 11:32)
A.   A criação do universo e da vida (1:1 – 2:3)

Capítulo 1

Primeiro dia: A criação da Luz

3 Disse Deus[1]: Haja[2] luz; e houve luz. 4 E viu Deus que a luz era boa[3]; e fez separação entre a luz[4] e as trevas. 5 Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite. Houve tarde e manhã, o primeiro dia[5].


[1] (1:3) Disse Deus..., hebr. vaiomer Elohiym

'Ōmer  no hebraico, é termo derivado de ‘āmar, que pode significar também, além de “dizer”, “falar”, “dizer consigo mesmo” (pensar), “pretender”, “intencionar” ou “ordenar”.

Esta primeira manifestação de Deus através da palavra, repete-se oito vezes na narrativa da criação enquanto expressão realizadora, dando à frase um significado teológico importante na revelação dos atributos de Iavé ao povo de Israel. Ao mesmo tempo coíbe toda e qualquer teoria que considere o universo auto-existente ou obra do acaso.

Ela apresenta Iavé totalmente envolvido na formação do universo, pois é através de sua Palavra que traz à existência as coisas que não existem (Hb. 11:3).  Além disso, “ordenar a existência” é a verbalização daquilo que pretende que venha a existir, sendo portanto conseqüência de sua vontade criadora. Assim, o que temos aqui é a realização daquilo que Deus planejou e quis fazer, caracterizando o seu cuidado em preparar adequadamente o ambiente em que viveria a humanidade. Podemos concluir ainda, que tal planejamento se concentrou em agrupar harmoniosamente cada substância, ou ainda cada molécula do universo, imprimindo na criação a marca de sua Sabedoria. Daí se dizer que “Deus conhece todas as coisas” e podemos afirmar que “com total conhecimento e experiência”, dado o grau de dependência que todas elas têm d’Ele para existir.

A expressão falada por Deus contudo não é mágica em si mesma. Ela não é realizadora por poder a ela inerente, mas sua capacidade de realização se origina na Vontade de Deus, a que tudo está subordinado e à qual nada pode se opor (Sl. 33:9). O poder realizador da palavra/vontade de Deus, voltará a ser tema durante o exílio babilônico, onde o profeta Isaías reafirma que Deus cumpre o que diz (Is. 46:9-11), e prospera para realização do que se propõe (Is. 55:10-11).

[2] (1:3) ... Haja... e houve...

Esta é uma das mais importantes revelações feitas pelo autor relativamente aos atributos de Deus: Seu poder realizador.
Não há barreiras entre seu querer e o cumprimento de sua vontade. Tudo a seu tempo acontece conforme seu propósito. Seu poder realizador está intimamente ligado à eficácia de sua vontade.

[3] (1:3)   E viu Deus que a luz era boa

Ao final de cada evento criativo, o narrador destaca a conclusão do Criador de que o que acaba de criar é bom. Isto acontece sete vezes ao longo do primeiro capítulo (vv. 4, 10, 12, 18, 21 e 25), sendo a última (v. 31) uma espécie de avaliação final de todo o seu processo.

Não devemos entender tal expressão como uma surpresa de Deus com o produto de seu ato criador, como se desconhecesse o resultado final. O mais provável, é que o narrador quer enfatizar que toda a extensão complexa da criação é boa, perfeita, e mais exatamente, adequada aos propósitos de Deus definidos em sua sabedoria e realizados por sua eficiente vontade criadora. No entendimento do autor, Deus se dá por satisfeito ao concluir que nada faltava diante daquilo que havia planejado.

Ainda no v. 3, ao dizer que “... a luz era boa”, parece que Deus deixa implícito que as trevas não eram, motivo pelo qual mais adiante as mantém separadas da luz.

[4] (1:3) ... luz, hebr. ‘ôr ser luz, brilhar, iluminar

Considerando que o sol é criado apenas no quarto dia (1:14), surge aqui uma pergunta: Que luz foi essa criada por Deus no primeiro dia da criação? Não podemos pretender responder a esta questão, avaliando apenas o versículo em destaque, pois todo o contexto bíblico que envolve “luz” precisa ser analisado.

Primeiramente é necessário ressaltar que a Bíblia sempre apresenta a luz como algo positivo, relacionando-a normalmente a aspectos propícios à humanidade (Mt. 5:14, 16; 1 Jo. 1:7), ou mesmo a identificando com o próprio Deus (Jo. 1:4, 5; Jo. 12:46; 1 Tm. 6:16; 1 Jo. 1:5). É portanto aceitável dizer que “luz” está intimamente relacionada à “presença de Deus”.

Ao longo da narrativa dos dias da criação, vemos que os “dias” são formados de “tardes e manhãs” e nunca é citada a noite, nome dado às trevas no v. 5. Alguns teólogos defendem a tese de que a variação foi apenas poética ou mesmo alusiva à época em que os dias começavam ao fim da tarde, mas acreditamos que haja um motivo maior para isso, pois não se pode esquecer que as “trevas” são anteriores à criação da luz (v. 2), e que dominava todo o cenário que Deus decidiu mudar.

Também se torna necessário avaliar empiricamente a expressão “fez separação entre a luz e as trevas”. A luz e a trevas não se “separam” estabelecendo entre si uma fronteira até onde vai a luz e começam as trevas ou vice-versa. imagine um ambiente pequeno qualquer, digamos um cômodo de uma casa. Se ele estiver em total escuridão, para iluminá-lo é necessário apenas acender uma lâmpada. Pronto, toda a escuridão se foi e não há nele nenhuma fronteira entre luz e trevas. De igual modo, caso tenhamos um ambiente maior e acendermos apenas uma pequena vela, mesmo que sua luz seja insuficiente para iluminar todo o lugar, na região próxima a vela estará claro. Assim podemos concluir que luz e trevas não coexistem simultaneamente num mesmo espaço. Melhor, as trevas são ausência de luz. Portanto, a luz criada no primeiro dia foi capaz de banir do ambiente da criação as trevas, de modo que a noite não ocorria.

Na Bíblia há um outro momento em que se declara não haver noite, embora não haja luz vinda do sol: é a criação da Nova Jerusalém (Is. 60:19, 20; Ap. 21: 25; 22: 5), onde se afirma que a luz do próprio Deus ilumina toda a cidade. Ora, o que é a Nova Jerusalém, senão a restauração do Éden, a reedição do paraíso onde habitará a humanidade redimida pelo amor de Deus.

Assim, o que podemos concluir é que a luz criada no primeiro dia, anterior a criação do sol, vem do próprio Deus Criador, tornando o ambiente favorável à criação, e propício ao surgimento da vida no planeta. É a primeira doação que Deus faz de si mesmo para o bem estar da humanidade. Ao brilhar a luz, um novo cenário se formou.

[5] (1:5)  Houve tarde e manhã, o primeiro dia

Aqui está uma das mais difíceis questões sobre a origem do universo: os dias da criação.

Num primeiro momento, a seqüência narrativa nos faz imaginar dias de vinte e quatro  horas, causando surpresa e desconfiança se comparada com os pressupostos científicos que defendem longas eras de formação do planeta. Uma análise mais profunda e menos ortodoxa, contudo, pode nos levar a entender os dias da criação como uma ordenada seqüência que denota interdependência existencial crescente entre os feitos da criação.

Embora muitos defendam que a palavra hebraica yom que significa dia é usada para um dia de vinte e quatro horas na maioria das vezes em que aparece no Antigo Testamento, percebe-se que neste caso a palavra deve ser entendida pelo seu contexto e não pela forma usual de tradução, o que pode ser sustentado por diversos outros textos bíblicos onde dia de refere a um evento sem tempo determinado (Is. 2: 12; 13: 6,9; Jr. 46: 10; Ez. 13: 5; Jl. 1:15; entre outros), ou mesmo a um período maior de tempo como em 2: 4. Além disso, a expressão hebraica yom echád traduzida como “o primeiro dia”, significa literalmente dia um, o que inicia uma seqüência narrativa, mas não necessariamente estabelece um período de tempo.

Também é importante lembrar que, como vimos em nota anterior, “tarde e manhã” não incluiu a noite, que foi separada por Deus quando Ele criou a luz (presença da claridade). Se a noite não fez parte dos dias da criação, então não podemos estar lidando com dias de vinte e quatro horas literais, mas com períodos de tempo que tiveram seu início “tarde” e seu fim “manhã” (considerando aqui a analogia aos dias judaicos), dentro do processo criativo de Deus.

O transcorrer de um período entre a expressão criadora de Deus e a definitiva conclusão de sua vontade/propósito, fica evidente nesta seqüência: Is. 65:17, 66:22, 2 Pe. 3:13 e Ap. 21:1. No primeiro Deus diz: “Crio” tempo presente, agora. Mas no texto seguinte, Ele diz “hei de fazer” tempo futuro, que aponta para um momento adiante, que o apóstolo Pedro diz esperar já no primeiro século da era cristã, e finalmente o apóstolo João “vê” existir em sua visão apocalíptica que, como se sabe, ainda não aconteceu.

O mais importante na narrativa dos dias da criação, é perceber que o autor consegue demonstrar que, do versículo 1 ao 32, passo a passo  Deus vai transformando um caos inabitável em um mundo bem estruturado, “muito bom”, para habitação da humanidade. Deus tem poder para reverter circunstâncias desfavoráveis (Is. 45:18).

Assista o vídeo



terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Um cenário na eternidade...


Por Jânsen Leiros Jr.

I – História das origens do universo e da humanidade (1:1 – 11:32)
A.   A criação do universo e da vida (1:1 – 2:3)

Capítulo 1

Ainda na eternidade...

2 A terra, porém, estava[1] sem forma e vazia[2]; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas[3].


[1] (1:2) estava, hebr. hayetâ

Alguns teólogos e exegetas sugerem que a tradução aqui pode ser “tornou-se” como em Js. 14:14; Sl. 114:2 e Jr. 12:8 (Alfalit). Esta palavra, contudo, não se encontra assim traduzida, neste versículo, em nenhuma versão em português, nem mesmo na própria Bíblia Alfalit. É ainda pouco provável e aceitável tal tradução, uma vez que a expressão hayetâ é utilizada como predicativo, sugerindo condição anterior já não existente: “A terra estava...”, ou “A terra era...”.

[2] (1:2)  sem forma e vazia, hebr. tohû e habohû

As outras duas vezes em que estas palavras aparecem em conjunto no texto bíblico, são em Is. 34:11 e Jr. 4:23. Segundo algumas traduções transmitem, respectivamente,  a idéia de destruição e ruína sempre em conseqüência do juízo divino. Há uma corrente do pensamento teológico que vê aqui um registro sub-reptício de que a terra tenha sido destruída pelo Senhor, quando da rebelião de Satanás e seus anjos (Is. 14:12 e Ez. 28:12). O verso 2, então, seria a narrativa da recriação do planeta, como defende o Conceito da Recriação, já citado anteriormente.  Tal teoria tenta lançar alguma luz sobre como se teria dado o juízo de Deus contra Satanás e suas conseqüências no planeta.

Há porém algumas considerações a se fazer, levando-se em conta  alguns princípios sistemáticos no âmbito das revelações contidas na própria narrativa da criação, com ajuda de alguns outros trechos do Antigo Testamento.

a)    Considerar que a primeira criação possa ter sido destruída por ocasião da rebeldia de Lúcifer, implica em entendermos uma certa frustração nos planos divinos, uma vez que após todo o trabalho criacional, por conta do diabo, Deus seria obrigado a exercer juízo e destruir toda a sua criação a ponto de deixá-la um caos, para o qual, segundo Isaías, ela não foi criada (Is. 45:18).

b)    Caso isso fizesse parte dos planos de Deus, que relação teria com a humanidade, que foi e é o objetivo final da criação? Teria sido um fato totalmente sem aplicação para a vida do homem, não servindo sequer de exemplo, uma vez que tem como protagonista um ser essencialmente diferente do homem. É importante frisar que não encontramos em toda a escritura, fato algum sem propósito claro e bem definido. Nenhum grande princípio relevante para o relacionamento da criatura com seu criador deixou de ser revelado e constar neste livro sagrado. Não há revelação de relevância salvífica que já não tenha sidoexplicitada na Bíblia (ver Gn. 40:8; Dn. 2:28 e Am. 4:13).

c)     Pode-se considerar ainda, que a rebeldia de Satanás não parece ter relevância alguma nem mesmo para o próprio Deus, uma vez que toda a criação é concluída numa narrativa positiva de perfeita adequação ao Seu propósito. Até a Queda do homem não parece haver sombra alguma do mal pairando sobre a criação.

A expressão, portanto, mais indica a condição inicial de alguma matéria-prima criada por Deus, de cujos elementos o Criador se encarregaria de usar para formar e fazer toda sua criatura (Is. 43:7), como um artista plástico. Podemos ainda comparar tal circunstância com a gestação de uma criança, onde no útero materno, até o início da formação do embrião, há um cenário informe e vazio.

Tal interpretação empresta maior relevância e conteúdo revelador da pessoa de Deus, uma vez que indica comparativamente o início de um processo gestacional do planeta, onde o Criador cuidará zelosamente para que tudo que antes tinha uma aparência de desolação e ruína, viesse a ser muito bom (Gn. 1:31), anunciando o poder restaurador de Deus e sua capacidade de trazer ordem ao caos.

[3] (1:2) Espírito de Deus, hebr. veruach Elohiym

A palavra ruach do hebraico, pode significar “espírito”, “vento”, “alento”, “respiração”, “ânimo” e “brisa”. Tais possibilidade vêem se alternando nas versões brasileiras, sem muito prejuízo ao sentido do texto, pois “...de Deus” é qualitativo de “ruach” e pairava dá a entender ação inteligente e voluntária, que não poderia ser exercida pelo vento, respiração ou alento. Mas se contextualizarmos a expressão, entendemos que se trata do Espírito Santo, uma vez que é citado para indicar que em todo aquele estado de caos e vacuidade em que a terra se encontrava, Deus estava presente e preparando uma mudança radical para aquela circunstância. Dizer que o Espírito de Deus pairava... significa que seu poder realizador estava presente, preparando tudo que iria existir em seqüência. Denota acima de tudo total envolvimento de Deus com sua criação.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Gênesis - Primeiro Movimento


Por Jânsen Leiros Jr.

I – História das origens do universo e da humanidade (1:1 – 11:32)
A.   A criação do universo e da vida (1:1 – 2:3)

Capítulo 1

Na eternidade...

1 No princípio, [1] criou[2] Deus[3] os céus e a terra[4].


[1] (1:1) No princípio, Hebr. Beréshit

Considerando algumas diferentes interpretações possíveis e de aceitável coerência em seus conceitos implicativos, podemos destacar:

Beréshit seria melhor traduzido por In princípio como na Vulgata, fazendo com que a frase remonte a um estado de coisa e não a um instante de tempo, um momento na história cósmica. Neste caso, beréshit seria uma afirmação quase dogmática decisiva e inquestionável, sendo ao mesmo tempo causa e efeito para se crer em tudo que é apresentado nos versículos seguintes, podendo ser traduzido por em princípio ou a princípio. Seria, portanto, a base aceitável para sustentação de toda a narrativa seguinte. Uma verdade inapelável, e uma crença indispensável a quem iria ler a narrativa da criação e toda a história que se desdobra ao longo do livro. É como se o autor (parafraseando) iniciasse sua narrativa assim: “Pra início de conversa...” ou “Pra começar e que fique bem entendido...” Podemos, apenas para efeito didático, chamar esta teoria de Conceito da Verdade Absoluta.

Uma outra hipótese também muito aceitável, seria a de que o autor se referia a disposição/determinação de Deus em criar o universo, concebida em algum momento na eternidade, anterior ao momento da criação propriamente dito. Ou seja, no princípio de tudo... antes mesmo do princípio do universo... Deus já pensava em criar... Esta interpretação toma por base que beréshit também é a palavra utilizada na tradução do grego para o hebraico em Jo.1:1, onde certamente princípio não é o momento da criação, mas um instante indeterminado e inimaginável na eternidade passada. A esta teoria chamaremos de Conceito da Disposição Criadora.

A terceira hipótese de interpretação do texto, é a de que ele se refere a uma criação anterior à registrada a partir do segundo versículo. Assim, os que defendem esta teoria, acreditam que existiu um outro planeta anterior ao que habitamos atualmente, e que a narrativa iniciada no versículo dois conta a história da recriação da terra após sua destruição imposta pelo próprio Deus. Novamente parafraseando o autor, é como se sua narrativa dissesse: No primeiro princípio... ou Na primeira vez que tudo foi criado, foi Deus que criou... ou ainda Deus já havia criado o universo, quando...  Esta teoria pode ser chamada de Conceito da Recriação ou Teoria do Intervalo.

Por último, a mais popular e aceita teoria referente a interpretação de No princípio, considera que o texto se refere ao instante inicial do processo criacional, no qual Deus cria a matéria-prima sobre a qual irá trabalhar nos seis dias narrados a seguir. No princípio então, significaria efetivamente o primeiro segundo do relógio cósmico no conceito humano de tempo, estabelecendo um ponto de partida da cronologia dentro da eternidade, abrindo a cortina do palco onde se desdobra toda a história do universo. A esta última teoria chamaremos de Conceito do Princípio

[2] (1:1) criou, Hebr. bára

Este verbo somente admite Deus como sujeito. Outras palavras são sinônimas, como ãsãh (fazer), yãsar (formar) e kûn (estabelecer), sendo algumas vezes também traduzidas por “criar”. Somente  bára, porém, é utilizada quando o contexto embute a idéia de “criar do nada”, ou criar algo totalmente original.

Analisando o paralelo estabelecido em algumas passagens de Gênesis (1:26,27; 2:4; 5:1 – todas na ARC), onde bára e ãsãh (fazer) se alternam, podemos arriscar concluir que bára não só tem o significado de criar a partir do nada (do latim creatio ex nihilo), como também traz a idéia de concepção primeira e intencionada, onde a vontade divina se mostra totalmente soberana, uma fez que atravessa os estágios entre o nada e a obra acabada, desde a sua concepção, passando pelo surgimento da matéria da qual será formada, até a sua forma final exatamente de acordo com o propósito e a imaginação criadora de Deus.

Em função de nossa dificuldade de imaginar um poder criador dessas proporções, podemos, a título de ilustração, imaginar a seguinte cena: Um artista plástico se aproxima de sua bancada de trabalho e para diante dela. Ali se detém imaginando, concebendo criativamente, planejando a realização de sua obra. Ele calcula a utilidade, o sentido, o propósito de sua invenção. Imagina a forma, resistência, vida útil, aplicações... Sua capacidade inventiva se gasta totalmente em tudo que envolve e envolverá a coisa a ser criada. Um item porém fica para o final: a matéria-prima. Esse item tão importante e primordial para a realização da obra concebida, precisa atender plenamente a todos os parâmetros planejados e imaginados para sua criação. Então o artista conclui que tal matéria-prima não existe em canto algum do universo, e sem ela nada do que fora imaginado poderá ser trazido a existência diante de tão primário empecilho. Sendo porém este artista um ser dotado de capacidade criativa incomparável e surpreendente, ele faz surgir diante de si mesmo e sobre sua bancada de trabalho, a matéria-prima da qual precisava, exatamente do jeito que imaginou e com as propriedades necessárias para a realização de sua obra. Este instante de criação da matéria inaugura a realização da obra como um todo, e para tudo o que precisa formar, ele tanto cria a matéria que utilizará, como também se utiliza de substratos já resultantes, nas etapas seguintes de sua obra.

O conceito de bára, portanto, encerra mais que uma condição “mágica” de trazer a existência aquilo que não existe. Traz também a idéia de onipotência, ação soberana, livre de qualquer impedimento ou mesmo contra tempo que possa desviar o Criador do objetivo planejado, da criação concebida. Bára encerra o conceito de vontade divina, de criação objetiva e inteligente, providencial e amorosa, conquanto denota empenho elucubrativo em busca da perfeição que beneficiará a criatura. (Ver artigo “A Relevância de um Deus Criador”)

[3] (1:1) Deus, Hebr. Elohim

Primeiro nome pelo qual Deus é comunicado na Bíblia. Ele é apresentado em uma forma plural seguido pelo verbo (bára) no singular, sugerindo a compreensão e unificação de todas as forças infinitas e eternas.  Uma forma de indicar as múltiplas e ilimitadas manifestações de Deus e seus atributos.

Não podemos esquecer, ainda, que esta primeira declaração de que Deus é o autor da criação do universo,  é uma afirmação única e solitária e que se contrapõe a um ambiente extremamente politeísta, onde existe uma variada quantidade de deuses, com extrema diversidade de formas, funções e características. Ora, o que é o politeísmo, senão a expressão da incapacidade humana de conceber um ser único, capaz de possuir em si mesmo uma tão intensa pluralidade de atributos, manifestando total equilíbrio de suas potencialidades. Provavelmente Moisés faz uso dessa forma, para distinguir o Deus de Israel dos demais deuses pagãos, afirmando-o como único e soberano, sendo Elohim, “aquele que deve ser reverenciado por excelência”.

[4] (1:1) céus e a terra

A referência aqui não está limitando a ação criadora de Deus aos céus e terra somente, mas está na verdade englobando todo o universo no seu ato criador. Ou seja, o que não é Deus, é criação de Deus. A citação de céus e terra deve-se à forma literária hebréia de dar a ideia de todo, expressando sempre seus extremos: “céus e terra”, “alfa e ômega”, “princípio e fim”, como em Ap. 22:13.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Parla Moisés! Foi você?

Por Jânsen Leiros Jr.

Revisado e ampliado em 21/04/2024

 

"O livro de Gênesis ocupa um lugar central na Bíblia, pois nele encontramos as raízes de toda a revelação de Deus. É aqui que somos apresentados aos fundamentos da fé, às origens da criação e da humanidade. Mesmo para aqueles que não compartilham da mesma fé, Gênesis continua sendo uma obra de profunda importância, pois oferece uma narrativa que busca explicar as questões fundamentais da existência humana e do universo. Suas histórias, embora simbólicas em muitos aspectos, lançam luz sobre as origens da moralidade, da ética e da busca pelo significado da vida. Portanto, independentemente de nossas crenças ou nível de conhecimento científico, Gênesis permanece como um texto fundamental que merece nossa atenção e reflexão."

Dogmática Eclesiástica: A doutrina da Palavra de Deus; Karl Barth - Trecho adaptado do capítulo sobre a inspiração e autoridade das Escrituras, sem uma página específica fornecida.

 

O livro de Gênesis é um dos mais lidos e mais comentados textos da Bíblia. Não só por ser o seu primeiro livro, mas também e principalmente por trazer a história das origens do universo e da humanidade. Cientistas, especialistas e estudiosos das mais diversas disciplinas do conhecimentos humano, oficiais religiosos, gente comum e curiosos, já empreenderam ao menos uma leitura de suas páginas, instigados pelas mais variadas pretensões. Uns as leem para refutar as afirmações que consideram lendárias. Já outros o fazem repetida e incansavelmente, para reafirmação de crenças e inspirações à alma. De um jeito ou de outro, todo mundo um dia já leu ou ainda lerá o livro de Gênesis.

A atração

As questões que provocam fascínio e interesse pelo texto de Gênesis, porém, vão muito além da mera confrontação, curiosidade ou afirmações de fé. Sua linguagem, seu ritmo narrativo e suas exposições simples e diretas dos fatos, fazem da leitura desse livro uma aventura reveladora, repleta de mensagens facilmente compreendidas no âmbito de seu próprio e bem elaborado contexto. Não obstante, há incansáveis esforços de um leque considerável de militantes de ideologias místicas e de teorias exotéricas, que buscam identificar e decifrar supostos enigmas e segredos, ocultos nas entrelinhas e em códigos subliminares, que acreditam cuidadosamente escondidos em suas páginas[1].

O texto de Gênesis narra primordialmente a criação do universo e da humanidade, as consequências por esta humanidade ter dado as costas ao seu criador, e na parte final, a criação de uma nação que reservou para si, através dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó. Em nenhum lugar no livro, porém, encontraremos qualquer explicação para os acontecimentos, escolhas ou atitudes dos personagens envolvidos na história. Em contraste com outros textos onde normalmente se encontra um discurso apologético sustentando suas cenas, em Gênesis a narrativa corre como afluentes que desembocam em rios cada vez mais caudalosos e rápidos. Há uma fluência flagrante de uma narrativa que caminha do todo para o particular, e do caos para a ordem.

Nessa fluência observa-se que cada componente cênico sustenta fatos e consequências. Podemos destacar que cada acontecimento contato conduz ao seguinte, e a história se desenrola como uma previsível sucessão de instantes necessários e apropriados, como se isso aqui só pudesse desdobrar-se inevitavelmente naquilo outro. Dessa forma, embora tenha seus núcleos históricos bem delimitados, o livro de Gênesis dificilmente teria sido comporto separadamente, posto que forma claramente uma obra única, abrangente e auto sustentada.

Pertinências Literárias

Há outros aspectos relevantes na narrativa de Gênesis, que precisam ser destacados para melhor compreensão de seu conteúdo e formato narrativo. Tais aspectos o distingue, tanto das demais cosmogonias existentes à época, quanto das tradições orais presentes em outras civilizações, que especulavam sobre as origens do universo, da humanidade, e de seus povos:

Ação x Argumentação

São os fatos e não os conceitos que conduzem o leitor através do livro. Não há qualquer argumentação ideológica. Certas ou erradas, coerentes ou não, os acontecimentos, as atitudes e suas consequências são, por si mesmas ou por seus conjuntos, a mensagem a ser transmitida, sem que para sua fixação haja qualquer explicação complementar. A narrativa revela a ação de Deus e dos personagens envolvidos em cada trama sequenciada. Talvez o autor tenha em mente que determinados conceitos implícitos em suas histórias sejam irrefutáveis, ou que o questionamento sobre suas pertinências seja irrelevante para o seu propósito. Por isso não há argumentos, mas apenas narrativas.

Propósito x Acaso

Por falar em propósito, o conteúdo de Gênesis se isola do lugar comum, ao apresentar um Deus que quis criar, revelando implicitamente a existência de uma vontade criadora. Comumente aceitas, as cosmogonias contemporâneas relatavam a criação como consequência acidental ou efeito colateral de um ou mais acontecimentos. Nunca como uma ação planejada e pretendida, elaborada para um determinado fim.

Personagens e Desenvolvimento

Os personagens de Gênesis são vívidos e complexos, e o livro retrata seu desenvolvimento ao longo das histórias. Desde Adão e Eva até José e seus irmãos, cada personagem passa por jornadas individuais de crescimento, desafio e redenção, contribuindo para a riqueza da narrativa como um todo.

Linguagem Poética

Em muitos trechos, o livro de Gênesis utiliza uma linguagem poética e evocativa para descrever os eventos e cenários. Isso adiciona profundidade e beleza à narrativa, permitindo que os leitores se envolvam emocionalmente com as histórias e seus significados.

Interconexão Teológica

Gênesis estabelece importantes temas teológicos que ressoam ao longo de toda a Bíblia, como a criação, a queda, a promessa messiânica e a providência divina. Esses temas fornecem uma base sólida para a compreensão da teologia bíblica e ajudam os leitores a entenderem o contexto e a importância dos eventos que se seguem nos livros subsequentes.

Tanto as ações objetivas de Deus quanto o seu propósito criador, serão relembrados em diversos trechos da Bíblia. Isso demonstra que a narrativa de Gênesis é fundamental para o conhecimento de Deus. O livro nos apresenta um Criador que se relaciona com sua criatura. Ele não é um deus imaginado ou uma energia cósmica. Ele fala, ouve, sente e interage com o universo e com a humanidade. Seu envolvimento com sua criação é tão intensa, que Ele cria, sustenta, adverte, protege e a redime. Sendo o primeiro dos livros de uma biblioteca cujo tema central é a história da salvação da humanidade, Gênesis sustenta e lança as bases sobre as quais todo o conjunto da Bíblia se apoiará. Nele, Deus dá início à redenção da humanidade desde o Éden.

Composição e autoria

Relativamente a sua composição literária, é amplamente aceita a tradição que aponta Moisés como autor do livro. Algumas teorias, porém, sugerem que o texto de Gênesis é predominantemente formado de lendas nacionais de Israel. Tal sugestão se baseia em outra teoria analítica, que aponta para diferentes e distintos documentos na formação do livro de Gênesis como o conhecemos. Segundo esses críticos, o livro seria um harmonioso conjunto desses textos, estruturados para terem sentido narrativo e sequência cronológica. E já que estamos, mesmo que rapidamente apresentando o livro como uma obra literária, penso que seja necessário detalharmos esta questão, sob pena de sermos negligentes com o interesse dos leitores.

Um elemento importante que podemos acrescentar à discussão sobre a composição e autoria do livro de Gênesis é o conceito de fontes documentais que falamos acima. De acordo com a hipótese das fontes documentais, o livro de Gênesis, assim como outros livros do Pentateuco, foi composto a partir de uma combinação de diferentes fontes escritas que foram compiladas e editadas ao longo do tempo.

Essas fontes documentais, frequentemente identificadas como Javista (J), Eloísta (E), Deuteronomista (D) e Sacerdotal (P), são caracterizadas por estilos literários, vocabulário e temas distintos. Por exemplo, a fonte Javista é conhecida por usar o nome divino " יהוה[2] - Yahweh" - ou "Javé" em português, enquanto a fonte Eloísta utiliza o termo " אֱלֹהִים - Elohim" para se referir a Deus.

Essa abordagem da composição do Gênesis sugere que o livro foi resultado de um processo editorial complexo, no qual redatores ou editores compilaram e combinaram diferentes tradições e textos escritos para criar uma narrativa unificada. Essas fontes podem ter sido originadas de tradições orais mais antigas, registros históricos, lendas e mitos, entre outros.

Embora a hipótese das fontes documentais ofereça uma explicação interessante para a composição do Gênesis, é importante ressaltar que nem todos os estudiosos concordam com essa abordagem. Alguns questionam a validade das distinções entre as fontes e argumentam que o texto pode ser mais coeso do que sugere a teoria das fontes documentais[3].

No entanto, independentemente da visão específica sobre a composição do Gênesis, o importante é reconhecer a complexidade e a riqueza do texto bíblico e explorar suas diversas camadas de significado e interpretação. A abordagem das fontes documentais é uma ferramenta útil para entender a possível história editorial por trás do livro, mas também é importante considerar outras perspectivas e abordagens hermenêuticas na análise do texto bíblico.

Seja como for, tais teorias não inviabilizam, nem a pertinência do conteúdo e mensagem do livro, nem a crença tradicional de que Moisés seja seu autor, ou mesmo seu redator. Elas não anulam sua coesão de propósito, nem tampouco seu sentido teleológico. Sua harmonia narrativa sugere uma só regência, uma vez que seu texto se desenvolve como uma sinfonia cadenciada do início ao fim. Ainda que o texto se baseie em diversos textos ou em tradições orais, houve flagrante composição para que todo o material se tornasse um único e coerente volume[4].

A crença na autoria de Moisés conta ainda com o testemunho de alguns textos ao longo de toda a Bíblia. No Antigo Testamento (Josué 1:7-8; 23:6; 1 Reis 2:3; 2 Reis 14:6; Esdras 3:2; 6:18; Neemias 8:1 e Daniel 9:11-13) e no Novo Testamento (Atos 13:39; Hebreus 10:28). Além disso, o próprio Jesus fez citações utilizando Moises como fonte autoral da lei, como era conhecido o conjunto dos cinco primeiros livros do Antigo Testamento (Mateus 8:4; 19:8; Marcos 7:10; Lucas 16:31; 24:27,44; João 5:46).

Além de todas as indicações de que o Pentateuco tenha sido escrito por Moisés, as circunstâncias históricas também corroboram para essa aceitação. Ele era o líder nacional de Israel e comandava um povo recém resgatado do cativeiro, acostumados com a cultura e a religião egípcia. Ele, e principalmente ele, precisou estabelecer um registro memorial nacional, que fosse minimamente orientador dos costumes e crenças de seu povo, que vivia um momento de resgate de sua identidade.

De qualquer forma, nada disso nos impedirá de empreender nossa viagem por suas páginas. Gênesis ainda é um dos mais inspiradores livros, e pela história a fora, muitos foram os que, motivados por suas narrativas, escreveram livros, criaram filmes e especularam sobre seu conteúdo. E é exatamente nesse mesmo espírito de fascínio e admiração, que iniciaremos nosso passeio pela mais emocionante e encantadora história das origens do universo que conhecemos.



[1] Algumas ideologias místicas e teorias exotéricas acreditam que o texto de Gênesis contenha códigos e enigmas ocultos.

1.     Cabala: Uma tradição mística do judaísmo que interpreta textos bíblicos, incluindo Gênesis, em busca de significados ocultos e simbólicos. Os cabalistas acreditam que o texto contém níveis de significado mais profundos além do sentido literal, e buscam decifrar esses significados por meio de técnicas como a gematria (atribuição de valores numéricos às letras hebraicas) e a interpretação simbólica.

2.     Alquimia: Uma tradição filosófica e esotérica que busca a transmutação de substâncias e a busca pela "pedra filosofal" que supostamente concede a imortalidade. Alguns alquimistas acreditam que textos antigos, incluindo Gênesis, contenham instruções codificadas para alcançar esses objetivos, interpretando os elementos e símbolos do texto de maneira alquímica.

3.     Teoria da Conspiração: Alguns teóricos da conspiração acreditam que textos antigos, como Gênesis, contêm mensagens codificadas que revelam segredos ocultos sobre a origem da humanidade, a natureza da realidade ou agendas secretas de grupos poderosos. Essas interpretações muitas vezes envolvem conjecturas sobre supostos símbolos e padrões ocultos no texto.

4.     Esoterismo: Diversas tradições esotéricas, incluindo a teosofia, a rosacrucianismo e a gnose, interpretam textos sagrados, como Gênesis, em busca de significados ocultos e ensinamentos espirituais mais profundos. Essas interpretações muitas vezes envolvem alegorias, simbolismos e correspondências entre os textos sagrados e conceitos metafísicos.

Essas ideologias e teorias exotéricas são diversas em suas abordagens, mas compartilham a crença de que textos antigos como Gênesis contêm significados mais profundos além do sentido literal e podem ser decifrados para revelar conhecimentos ocultos.

 

[2] Vale lembrar que na língua hebraica, a palavra se escreve e se lê da direita para a esquerda. Ou seja, no sentido contrário ao do idioma português.

[3] Um autor relevante que questiona a validade das distinções entre as fontes e argumenta que o texto pode ser mais coeso do que sugere a teoria das fontes documentais é Umberto Cassuto. Em sua obra "A Documentary Hypothesis and the Composition of the Pentateuch" (ou "A Hipótese Documentária e a Composição do Pentateuco", em tradução livre), Cassuto oferece uma crítica detalhada das teorias da fonte documental que afirmam que o Pentateuco é uma colagem de diferentes fontes. Ele argumenta que o texto pode ser mais coeso e unificado do que sugerido por essas teorias, propondo uma abordagem alternativa que enfatiza a unidade e a integridade do texto bíblico.

[4] Alguns teólogos e estudiosos que defendem a unidade e a autoria mosaica do livro de Gênesis e do Pentateuco incluem:

1.     Abraham Kuenen: Um teólogo protestante que, apesar de reconhecer algumas variações textuais, defendia a autoria mosaica do Pentateuco, argumentando que Moisés poderia ter utilizado fontes pré-existentes em sua composição, mas ainda assim mantendo a unidade e a autoria principal.

2.     Franz Delitzsch: Um teólogo e hebraísta alemão que, em sua obra "A Nova Hipótese Sobre a Origem do Pentateuco em Seus Efeitos na Doutrina da Inspiração" (1885), defendeu a autoria mosaica do Pentateuco e refutou as teorias críticas de sua época.

3.     Ezra H. Graf: Embora tenha sido um crítico da Teoria das Fontes Documentais, Graf argumentou que o Pentateuco ainda poderia ter sido escrito por diferentes autores, mas sob a supervisão de Moisés, mantendo assim uma unidade substancial.

4.     Umberto Cassuto: Um erudito bíblico judeu que rejeitou a Teoria das Fontes Documentais em favor da unidade do texto, argumentando que o Pentateuco exibe uma coerência narrativa e temática que sugere uma única autoria.

5.     Benjamin D. Sommer: Um acadêmico judeu contemporâneo que, em sua obra "Revelation and Authority: Sinai in Jewish Scripture and Tradition" (2015), defende a unidade do Pentateuco e argumenta que a tradição judaica sempre considerou Moisés como seu autor.

Esses estudiosos, cada um à sua maneira, oferecem argumentos linguísticos, teológicos, históricos e hermenêuticos para sustentar a ideia de que Moisés desempenhou um papel central na composição do Pentateuco e que o texto exibe uma unidade que vai além das supostas fontes documentais.