Por Jânsen Leiros Jr.
I – História
das origens do universo e da humanidade (1:1 – 11:32)
A. A criação do
universo e da vida (1:1 – 2:3)
Capítulo 1
Primeiro dia: A criação da Luz
3 Disse Deus[1]: Haja[2] luz; e houve luz. 4 E viu Deus que a luz era boa[3]; e fez separação entre a luz[4] e as trevas. 5 Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite.
Houve tarde e manhã, o primeiro dia[5].
[1] (1:3) Disse Deus..., hebr.
vaiomer Elohiym
'Ōmer
no hebraico, é termo derivado de ‘āmar, que pode significar também, além de
“dizer”, “falar”, “dizer consigo mesmo” (pensar), “pretender”, “intencionar” ou
“ordenar”.
Esta
primeira manifestação de Deus através da palavra, repete-se oito vezes na
narrativa da criação enquanto expressão realizadora, dando à frase um
significado teológico importante na revelação dos atributos de Iavé ao povo de
Israel. Ao mesmo tempo coíbe toda e qualquer teoria que considere o universo
auto-existente ou obra do acaso.
Ela
apresenta Iavé totalmente envolvido na formação do universo, pois é através de
sua Palavra que traz à existência as coisas que não existem (Hb. 11:3).
Além disso, “ordenar a existência” é a verbalização daquilo que pretende que
venha a existir, sendo portanto conseqüência de sua vontade criadora. Assim, o
que temos aqui é a realização daquilo que Deus planejou e quis fazer,
caracterizando o seu cuidado em preparar adequadamente o ambiente em que
viveria a humanidade. Podemos concluir ainda, que tal planejamento se
concentrou em agrupar harmoniosamente cada substância, ou ainda cada molécula
do universo, imprimindo na criação a marca de sua Sabedoria. Daí se dizer que
“Deus conhece todas as coisas” e podemos afirmar que “com total conhecimento e
experiência”, dado o grau de dependência que todas elas têm d’Ele para existir.
A expressão
falada por Deus contudo não é mágica em si mesma. Ela não é realizadora por
poder a ela inerente, mas sua capacidade de realização se origina na Vontade de
Deus, a que tudo está subordinado e à qual nada pode se opor (Sl. 33:9). O
poder realizador da palavra/vontade de Deus, voltará a ser tema durante o
exílio babilônico, onde o profeta Isaías reafirma que Deus cumpre o que diz
(Is. 46:9-11), e prospera para realização do que se propõe (Is. 55:10-11).
[2] (1:3) ... Haja... e houve...
Esta é uma
das mais importantes revelações feitas pelo autor relativamente aos atributos
de Deus: Seu poder realizador.
Não há
barreiras entre seu querer e o cumprimento de sua vontade. Tudo a seu tempo
acontece conforme seu propósito. Seu poder realizador está intimamente ligado à
eficácia de sua vontade.
[3] (1:3) E viu Deus que a luz era
boa
Ao final de
cada evento criativo, o narrador destaca a conclusão do Criador de que o que
acaba de criar é bom. Isto acontece sete vezes ao longo do primeiro capítulo
(vv. 4, 10, 12, 18, 21 e 25), sendo a última (v. 31) uma espécie de avaliação
final de todo o seu processo.
Não devemos
entender tal expressão como uma surpresa de Deus com o produto de seu ato
criador, como se desconhecesse o resultado final. O mais provável, é que o
narrador quer enfatizar que toda a extensão complexa da criação é boa,
perfeita, e mais exatamente, adequada aos propósitos de Deus definidos em sua
sabedoria e realizados por sua eficiente vontade criadora. No entendimento do
autor, Deus se dá por satisfeito ao concluir que nada faltava diante daquilo
que havia planejado.
Ainda no v.
3, ao dizer que “... a luz era boa”, parece que Deus deixa implícito que as
trevas não eram, motivo pelo qual mais adiante as mantém separadas da luz.
[4] (1:3) ... luz, hebr. ‘ôr ser luz,
brilhar, iluminar
Considerando
que o sol é criado apenas no quarto dia (1:14), surge aqui uma pergunta: Que
luz foi essa criada por Deus no primeiro dia da criação? Não podemos pretender
responder a esta questão, avaliando apenas o versículo em destaque, pois todo o
contexto bíblico que envolve “luz” precisa ser analisado.
Primeiramente
é necessário ressaltar que a Bíblia sempre apresenta a luz como algo positivo,
relacionando-a normalmente a aspectos propícios à humanidade (Mt. 5:14, 16; 1
Jo. 1:7), ou mesmo a identificando com o próprio Deus (Jo. 1:4, 5; Jo. 12:46; 1
Tm. 6:16; 1 Jo. 1:5). É portanto aceitável dizer que “luz” está intimamente
relacionada à “presença de Deus”.
Ao longo da
narrativa dos dias da criação, vemos que os “dias” são formados de “tardes e
manhãs” e nunca é citada a noite, nome dado às trevas no v. 5. Alguns teólogos
defendem a tese de que a variação foi apenas poética ou mesmo alusiva à época
em que os dias começavam ao fim da tarde, mas acreditamos que haja um motivo maior
para isso, pois não se pode esquecer que as “trevas” são anteriores à criação
da luz (v. 2), e que dominava todo o cenário que Deus decidiu mudar.
Também se
torna necessário avaliar empiricamente a expressão “fez separação entre a luz e
as trevas”. A luz e a trevas não se “separam” estabelecendo entre si uma
fronteira até onde vai a luz e começam as trevas ou vice-versa. imagine um
ambiente pequeno qualquer, digamos um cômodo de uma casa. Se ele estiver em
total escuridão, para iluminá-lo é necessário apenas acender uma lâmpada.
Pronto, toda a escuridão se foi e não há nele nenhuma fronteira entre luz e
trevas. De igual modo, caso tenhamos um ambiente maior e acendermos apenas uma
pequena vela, mesmo que sua luz seja insuficiente para iluminar todo o lugar,
na região próxima a vela estará claro. Assim podemos concluir que luz e trevas
não coexistem simultaneamente num mesmo espaço. Melhor, as trevas são ausência
de luz. Portanto, a luz criada no primeiro dia foi capaz de banir do ambiente
da criação as trevas, de modo que a noite não ocorria.
Na Bíblia há
um outro momento em que se declara não haver noite, embora não haja luz vinda
do sol: é a criação da Nova Jerusalém (Is. 60:19, 20; Ap. 21: 25; 22: 5), onde
se afirma que a luz do próprio Deus ilumina toda a cidade. Ora, o que é a Nova
Jerusalém, senão a restauração do Éden, a reedição do paraíso onde habitará a
humanidade redimida pelo amor de Deus.
Assim, o que
podemos concluir é que a luz criada no primeiro dia, anterior a criação do sol,
vem do próprio Deus Criador, tornando o ambiente favorável à criação, e
propício ao surgimento da vida no planeta. É a primeira doação que Deus faz de
si mesmo para o bem estar da humanidade. Ao brilhar a luz, um novo cenário se
formou.
[5] (1:5) Houve tarde e manhã, o
primeiro dia
Aqui está
uma das mais difíceis questões sobre a origem do universo: os dias da criação.
Num primeiro
momento, a seqüência narrativa nos faz imaginar dias de vinte e quatro
horas, causando surpresa e desconfiança se comparada com os pressupostos
científicos que defendem longas eras de formação do planeta. Uma análise mais
profunda e menos ortodoxa, contudo, pode nos levar a entender os dias da
criação como uma ordenada seqüência que denota interdependência existencial
crescente entre os feitos da criação.
Embora
muitos defendam que a palavra hebraica yom que significa dia é usada para um
dia de vinte e quatro horas na maioria das vezes em que aparece no Antigo
Testamento, percebe-se que neste caso a palavra deve ser entendida pelo seu
contexto e não pela forma usual de tradução, o que pode ser sustentado por
diversos outros textos bíblicos onde dia de refere a um evento sem tempo
determinado (Is. 2: 12; 13: 6,9; Jr. 46: 10; Ez. 13: 5; Jl. 1:15; entre
outros), ou mesmo a um período maior de tempo como em 2: 4. Além disso, a
expressão hebraica yom echád traduzida como “o primeiro dia”, significa
literalmente dia um, o que inicia uma seqüência narrativa, mas não
necessariamente estabelece um período de tempo.
Também é
importante lembrar que, como vimos em nota anterior, “tarde e manhã” não
incluiu a noite, que foi separada por Deus quando Ele criou a luz (presença da
claridade). Se a noite não fez parte dos dias da criação, então não podemos
estar lidando com dias de vinte e quatro horas literais, mas com períodos de
tempo que tiveram seu início “tarde” e seu fim “manhã” (considerando aqui a
analogia aos dias judaicos), dentro do processo criativo de Deus.
O
transcorrer de um período entre a expressão criadora de Deus e a definitiva
conclusão de sua vontade/propósito, fica evidente nesta seqüência: Is. 65:17, 66:22,
2 Pe. 3:13 e Ap. 21:1. No primeiro Deus diz: “Crio” tempo presente, agora. Mas
no texto seguinte, Ele diz “hei de fazer” tempo futuro, que aponta para um
momento adiante, que o apóstolo Pedro diz esperar já no primeiro século da era
cristã, e finalmente o apóstolo João “vê” existir em sua visão apocalíptica
que, como se sabe, ainda não aconteceu.
O mais
importante na narrativa dos dias da criação, é perceber que o autor consegue
demonstrar que, do versículo 1 ao 32, passo a passo Deus vai transformando
um caos inabitável em um mundo bem estruturado, “muito bom”, para habitação da
humanidade. Deus tem poder para reverter circunstâncias desfavoráveis (Is.
45:18).
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