Por Jânsen Leiros Jr.
A. A criação do
universo e da vida (1:1 – 2:3)
Capítulo 1
Ainda na eternidade...
2 A terra, porém, estava[1] sem forma e vazia[2]; havia trevas sobre a face do abismo, e o
Espírito de Deus pairava por sobre as águas[3].
[1] (1:2) estava, hebr. hayetâ
Alguns
teólogos e exegetas sugerem que a tradução aqui pode ser “tornou-se” como em
Js. 14:14; Sl. 114:2 e Jr. 12:8 (Alfalit). Esta palavra, contudo, não se
encontra assim traduzida, neste versículo, em nenhuma versão em português, nem
mesmo na própria Bíblia Alfalit. É ainda pouco provável e aceitável tal
tradução, uma vez que a expressão hayetâ é utilizada como predicativo, sugerindo
condição anterior já não existente: “A terra estava...”, ou “A terra era...”.
[2] (1:2) sem
forma e vazia, hebr. tohû e habohû
As outras
duas vezes em que estas palavras aparecem em conjunto no texto bíblico, são em
Is. 34:11 e Jr. 4:23. Segundo algumas traduções transmitem,
respectivamente, a idéia de destruição e
ruína sempre em conseqüência do juízo divino. Há uma corrente do pensamento
teológico que vê aqui um registro sub-reptício de que a terra tenha sido
destruída pelo Senhor, quando da rebelião de Satanás e seus anjos (Is. 14:12 e
Ez. 28:12). O verso 2, então, seria a narrativa da recriação do planeta, como
defende o Conceito da Recriação, já citado anteriormente. Tal teoria tenta lançar alguma luz sobre como
se teria dado o juízo de Deus contra Satanás e suas conseqüências no planeta.
Há porém
algumas considerações a se fazer, levando-se em conta alguns princípios sistemáticos no âmbito das
revelações contidas na própria narrativa da criação, com ajuda de alguns outros
trechos do Antigo Testamento.
a) Considerar que a primeira
criação possa ter sido destruída por ocasião da rebeldia de Lúcifer, implica em
entendermos uma certa frustração nos planos divinos, uma vez que após todo o
trabalho criacional, por conta do diabo, Deus seria obrigado a exercer juízo e
destruir toda a sua criação a ponto de deixá-la um caos, para o qual, segundo
Isaías, ela não foi criada (Is. 45:18).
b) Caso isso fizesse parte dos
planos de Deus, que relação teria com a humanidade, que foi e é o objetivo final
da criação? Teria sido um fato totalmente sem aplicação para a vida do homem,
não servindo sequer de exemplo, uma vez que tem como protagonista um ser
essencialmente diferente do homem. É importante frisar que não encontramos em
toda a escritura, fato algum sem propósito claro e bem definido. Nenhum grande
princípio relevante para o relacionamento da criatura com seu criador deixou de
ser revelado e constar neste livro sagrado. Não há revelação de relevância
salvífica que já não tenha sidoexplicitada na Bíblia (ver Gn. 40:8; Dn. 2:28 e
Am. 4:13).
c) Pode-se considerar ainda, que
a rebeldia de Satanás não parece ter relevância alguma nem mesmo para o próprio
Deus, uma vez que toda a criação é concluída numa narrativa positiva de
perfeita adequação ao Seu propósito. Até a Queda do homem não parece haver
sombra alguma do mal pairando sobre a criação.
A expressão,
portanto, mais indica a condição inicial de alguma matéria-prima criada por
Deus, de cujos elementos o Criador se encarregaria de usar para formar e fazer
toda sua criatura (Is. 43:7), como um artista plástico. Podemos ainda comparar
tal circunstância com a gestação de uma criança, onde no útero materno, até o
início da formação do embrião, há um cenário informe e vazio.
Tal
interpretação empresta maior relevância e conteúdo revelador da pessoa de Deus,
uma vez que indica comparativamente o início de um processo gestacional do
planeta, onde o Criador cuidará zelosamente para que tudo que antes tinha uma
aparência de desolação e ruína, viesse a ser muito bom (Gn. 1:31), anunciando o
poder restaurador de Deus e sua capacidade de trazer ordem ao caos.
[3] (1:2) Espírito de Deus, hebr. veruach Elohiym
A palavra ruach do hebraico, pode significar
“espírito”, “vento”, “alento”, “respiração”, “ânimo” e “brisa”. Tais
possibilidade vêem se alternando nas versões brasileiras, sem muito prejuízo ao
sentido do texto, pois “...de Deus” é qualitativo de “ruach” e pairava dá a entender ação inteligente e voluntária, que
não poderia ser exercida pelo vento, respiração ou alento. Mas se
contextualizarmos a expressão, entendemos que se trata do Espírito Santo, uma
vez que é citado para indicar que em todo aquele estado de caos e vacuidade em
que a terra se encontrava, Deus estava presente e preparando uma mudança
radical para aquela circunstância. Dizer que o Espírito de Deus pairava...
significa que seu poder realizador estava presente, preparando tudo que iria
existir em seqüência. Denota acima de tudo total envolvimento de Deus com sua
criação.